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Alberto Pereira está mudando as ruas (e os muros) do Rio com suas colagens políticas e provocadoras

Por Rafael Bittencourt para THE SUMMER HUNTER


 


Alberto Pereira (@albertopereira) sempre soube ter uma certa vocação para a arte. Depois que o carioca finalizou a faculdade de Design no Rio de Janeiro, passou por algumas frustrações típicas de uma geração insatisfeita com as limitações do meio corporativo que, junto com o fim de um casamento, culminou em uma crise reveladora: foi quando ele se entendeu como artista.


“Negro Nobre” foi um de seus primeiros trabalhos que ganhou destaque: as colagens retratam ícones negros do Brasil, como Jorge Ben Jor, Wilson Simonal, Sandra de Sá e Tim Maia como personagens nobres de pinturas clássicas dos séculos XV-XVIII. Já em “Empatia”, Alberto transformou uma série de colagens digitais em cartazes lambe-lambe, que abordavam aceitação, harmonia e davam visibilidade ao que é invisível visível aos nossos olhos.


O tom provocador e irônico de seu trabalho é reflexo de uma personalidade questionadora, de um ativista que alfineta o espectador para quebrar paradigmas, mas com o afago que só a arte consente.




Quando você percebeu que a arte pautava a sua vida?

Acho que bem no fundo a gente sempre saca quais aptidões temos e quais podemos desenvolver. Creio que em pouquíssimos casos uma pessoa é totalmente perdida. Eu sempre desenhei, sempre gostei de música, tomei gosto por escrever e sempre fui de criar e imaginar coisas. Mas vivemos num país que culturalmente não valoriza a arte, o que desencadeia na crença e no discurso de que não vale a pena ser artista, porque você “não vai ganhar dinheiro”. E esse discurso faz parte da família, das escolas, dos cursos pré-vestibular, dos amigos… É geral!


E houve um gatilho, uma ocasião específica, em que você pensou em seguir esse caminho, mesmo com todas as dificuldades que é fazer arte no Brasil?

O meu gatilho veio depois do término de um casamento unido a problemas profissionais. Pedi demissão da empresa que trabalhava, fui para outra empresa que quebrou e acabei fazendo transporte particular. Quando me vi naquela condição pensei: pior do que estou de grana não fico, não gosto da forma que estou ganhando dinheiro e não tenho mais a responsabilidade de dividir despesas de casa e contas com uma pessoa. Se eu me ferrar, me ferro sozinho. Vou arriscar.


E qual foi o primeiro passo desse “arriscar”?

Começou de dentro para fora. Foi “verbalizar internamente” que de fato sou artista. Esse é o passo mais difícil: saber-se artista para então desenvolver-se. Se você não acredita em quem você é e pode ser, ninguém mais vai acreditar.


Seu trabalho tem um tom bem provocador, com uma certa ironia também… De onde vem isso?

É irônico porque sou irônico (risos). Gosto de dar porradas para depois fazer carinho. É uma maneira de trabalhar a crítica, mas buscar uma linguagem singela da imagem. Tento me expressar assim: beliscar o outro, sem que o outro sinta dor.


Mas você tem algum tema preferido para ‘beliscar os outros’?

Não. As coisas não vêm por temas, vêm de questões que vejo no mundo e naquela hora sinto necessidade de criar. Somos reflexo do que vivemos. Eu vejo racismo, pobreza, vejo amor, conquistas, corrupção, derrotas. Homossexuais apanhando na rua, pessoas buscando seu próprio verbo. São muitas coisas boas e ruins e naturalmente acaba refletindo no que faço e na maneira que me expresso. Eu sou um filtro: as ideias passam por mim e saem em forma de colagem.


Você já passou por alguma situação de críticas mais pesadas ou mesmo de rejeição por causa da mensagem de suas obra?

Com o “Negro Nobre”, com o “Timer Temer” que eram lambes-lambes políticos e foram removidos em menos de três horas… Também com os lambes-lambes da série “Empatia”, cujo trabalho revelava um homem ajoelhado dando um buquê de flores a outro – e que também foram arrancadas em uma semana. O último foi com o “Jesus Pretinho”. Uma pessoa em situação de rua falou que ficava profundamente incomodada com a imagem que tinha na Lapa. Disse que para ele, era como a escravidão: uma pessoa branca tomando o filho negro.


Depois recitou um trecho de “A Canção do Africano”, poema de Castro Alves:

“E a cativa desgraçada Deita seu filho, calada, E põe-se triste a beijá-lo, Talvez temendo que o dono Não viesse, em meio do sono, De seus braços arrancá-lo!”


Interpretação curiosa…

Pois é, posicionamentos e vidas distintas. Faz com que você interprete e leia de maneiras diferentes. Entendo a crítica dele, embora não concorde. É o olhar inverso do meu. Mas o papel da arte se fez ali, de causar reação no outro.


 

Matéria originalmente publicada em:

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