Alberto Pereira integra a exposição Casa Carioca com as obras "Supernanny Brasil" e "Debret Delivery".
Casas feitas de madeira, telhas de zinco, barro, tijolos aparentes que jamais ganham reboco. Casas construídas por anos a fio, por mestres de obras e pela vizinhança, sempre em reforma, sempre em mutirão, sempre disponíveis para acolher es filhes que casam, es que têm outres filhes. Casas que recebem outros cômodos, para cima, para os lados, e acomodam diversos arranjos familiares: só com a mãe, com dois pais e duas mães, supridas pelas aposentadorias das avós… Casas ameaçadas de demolição, pelo injusto e nunca reparado direito à cidade, mantendo segregações sociais. Casas levadas pelas enchentes, pela violência, pela desigualdade do poder aquisitivo que não possibilita realizar o sonho da casa própria.
Casas, em contraponto, grandes, opulentas, faustosas, com vistas de cartão-postal, cujas famílias permanecem herdeiras, por gerações, donatárias de imóveis vazios, terrenos baldios. Casas desenhadas por homens brancos arquitetos, uma casta com acesso ao ensino, ao estudo, que devolve o investimento aos ricos, que podem pagar pelo projeto. Casas fotografadas para os compêndios, para os livros intitulados “casas brasileiras” mas que só dão conta de 15% das moradias da população.
Afinal, o que é a casa brasileira, o que é a casa carioca? A que não está nos livros, não sai nas revistas, não dita revoluções estéticas, mas é vivida de outros modos, nos quintais do samba, no churrasco da laje, nas feijoadas das cumeeiras. Casas onde as mães têm a profissão de criar filhos alheios e os seus próprios, casas em eterna luta por demarcação, entre o poder público e o reconhecimento ancestral dos povos originários e escravizados, aldeias, quilombos. Casas que, de outro modo, misturam tudo isso, altares ancestrais, mulheres radicais, empregos informais e dívidas crescendo, enquanto o acesso à água e ao oxigênio, bens comuns, dádivas da natureza, em realidade pandêmica e desigual passam a, novamente, exibir as fissuras de classe, gênero e etnicidade em uma cidade há muito partida, que vê iniciativas de solidariedade e vizinhança salvarem quem sempre esteve só.
Marcelo Campos
Curador
A Vale é patrocinadora da exposição Casa Carioca por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Texto crítico de Daniela Name para VEJARio: https://vejario.abril.com.br/coluna/daniela-name/mar-exposicao-casa-carioca/
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